A oração do Pai Nosso: um paralelo entre Budismo e Cristianismo



Por Thich Nhat Hanh


A doutrina da Igreja Ortodoxa afirma claramente que todo ser humano tem a natureza divina de Deus e partilha da bondade divina de Deus. É o mesmo conceito budista sobre a nossa natureza de Buda. Ainda que pareçam diferentes, os ensinamentos cristãos e budistas têm muito em comum.

O canto budista "Teu discípulo se inclina com respeito".

Teu discípulo por várias existências, por muitos kalpas, ficou preso nos obstáculos do carma, ânsia, raiva, arrogância, ignorância, confusão e erros, e hoje, graças ao conhecimento que tem do Buda, reconhece seus erros e começa sinceramente outra vez.

Agora, vejamos a oração do Pai Nosso, uma oração bem conhecida na tradição cristã:

Pai nosso que estais nos céus, santificado seja o vosso nome; venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu.
O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido; e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.


Se olharmos em maior profundidade, veremos que com esta oração estamos praticando também o estar em contato com a dimensão última. O que estamos procurando? Estamos procurando algo muito grande. Não estamos pedindo a Deus para que o sol brilhe no dia de nosso piquenique. Não estamos pedindo coisinhas, estamos pedindo o reinado de Deus. Nosso primeiro objetivo na oração é o reino de Deus. Vamos examinar cada um dos incisos desta oração.

Pai nosso que estais nos céus.

Nos céus significa "não no mundo histórico e fenomênico. Ainda que Deus esteja em todas as coisas, não podemos compará-lo com as criaturas que vivem sobre a terra, assim como não podemos comparar a água do mar com a onda, porque uma é a natureza última e a outra é o fenômeno. Podemos comparar uma onda com a outra, mas não podemos comparar a água com a onda. Ele é a natureza última, e não há palavras para nomeá-lo ou descrevê-lo. Podemos chamá-lo de Deus, de Alá, o criador, mas são apenas maneiras de chamá-la. Todas essas expressões e idéias são a nossa tentativa infrutífera de definir Deus. Por isso, quer digamos Deus, Dieu (francês), God (inglês), Thuong De (vietnamita), ou Alá, tudo não passa de nomes, e esses nomes não são fortes o suficiente para conter a realidade maravilhosa que é a dimensão última.

Deus não precisa ser famoso na sociedade humana, como um astro de cinema ou um presidente. Deus não é um saquinho de amendoim a ser disputado. E Deus não quer competir conosco para ser mais famoso do que nós. Para estar em contato com a realidade maravilhosa da dimensão última, temos de ir para além do nome, e só então poderemos encontrar sua verdadeira natureza sagrada. O sutra do Caminho da Virtude diz: "O caminho que ainda pode ser discutido não é ainda o verdadeiro caminho eterno. O nome que pode ser chamado não é ainda o verdadeiro nome eterno".

Santificado seja o vosso nome.

Isto se refere ao tipo de nome, ao nome que não pode ser dito, que não pode ser expresso, sobre o qual não se pode deliberar, não se pode falar, e este é o Deus de verdade.

Venha a nós o vosso reino

A palavra "reino", que empregamos na expressão "o reino de Deus", o reino que Deus Pai preside, é tradução da palavra grega basileia, que tem três significados diferentes. O primeiro é "domínio" ou os "domínios", ou seja, o território sobre o qual Deus governa ou exerce seu reinado. O primeiro sentido é do ponto de vista do sinal. O segundo sentido é "real". Significa a natureza do domínio, sua "reinidade". Este domínio tem a natureza da felicidade, da eternidade, da paz e da alegria. Real é a natureza, e domínio é o sinal. Reino é o sinal e "reinidade" é a natureza. A natureza é nirvana, o sinal é o sinal do não-nascimento da não-morte.

Nisto temos as duas coisas: o sinal e a natureza. O terceiro sentido é "reinado", o ato de reinar, que é a maneira como o domínio e a vida neste domínio podem ser descritos. O domínio pertence à ação. Por isso o domínio pertence à dimensão histórica, a realeza pertence à dimensão última e reinado pertence à dimensão da ação.

A dimensão última é o fundamento do ser. A dimensão histórica é o reino de Deus, ou o mundo fenomênico, o mundo do nascimento e da morte. No mundo do nascimento e da morte, há a presença do nirvana. E finalmente, há a dimensão da ação, a função do reino, que é reinar, governar. A terra que Deus Pai governa. Como pode o povo viver nesta terra de maneira a ter paz, alegria e felicidade? Isto é ação. Seja qual for nossa tradição religiosa, quando rezamos nossa prioridade é chegar à dimensão última, à natureza ainda não nascida ou imorredoura da vida - isto é o reino de Deus, isto é Deus.

Quando praticamos a meditação andando ou tomamos uma refeição com mente alerta, queremos que o nirvana esteja presente, queremos que o nirvana venha a nós no momento atual. Os cristãos rezam, cantam salmos e hinos, recebem os sacramentos - tudo isto são orações dirigidas ao desejo Venha a nós o vosso reino, o desejo de que o reino de Deus esteja presente neste exato momento. Se formos capazes de trazer para a dimensão histórica a dimensão última, podemos viver as duas dimensões ao mesmo tempo. Não há razão de não podermos contactar a dimensão última enquanto vivemos na dimensão histórica.

Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu

A natureza não nascida e imorredoura do céu, a felicidade, solidez e a liberdade do céu não estão apenas na dimensão última, mas também na dimensão histórica. Graças às chaves dos Três Selos do Darma, somos capazes de ver que a solidez, a liberdade, o ainda não-nascido e o imorredouro não precisam ser procurados no nirvana, mas podem ser encontrados aqui no mundo do nascimento e da morte; assim na terra como no céu. No Vietnã, um discípulo perguntou a um mestre zen: "Onde devo procurar o ainda não-nascido e o imorredouro?" O mestre respondeu com muita clareza: "Você deve procurar o ainda não-nascido e o imorredouro precisamente no meio do nascimento e da morte". Você deve procurar a água na onda. Está muito claro. Por isso dizemos: "Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu". Este é o maior desejo que temos ao rezar.

O pão nosso de cada dia nos dai hoje.

Outra maneira de traduzir é: "Dai-nos hoje nosso pão deste dia". Nosso pão deste dia não é o pão de todo dia, mas apenas o pão deste dia. A palavra hoje não é muito boa, mas as palavras deste dia são melhores. Esta frase é uma prática de confiança. Não precisamos pedir nossa comida para amanhã, para depois de amanhã, para o próximo mês e para os próximos anos. Precisamos apenas ter comida para o dia de hoje. Eu quero viver profundamente o momento atual. Isto se parece com o ensinamento de Buda no Coração do Prajnaparamita. "A forma é o vazio", diz Buda, mas isto não é o bastante em si, de modo que temos de acrescentar "... e o vazio é a forma", para então o ensinamento ser completo.

Em nossa vida diária temos muitas ansiedades. Temos nossos desejos e tendemos a querer acumular coisas. Não sabemos que o momento atual é o importante. A vida só pode existir no momento atual. Se nossa intenção é apenas investir no amanhã, então será fácil esquecer completamente as maravilhas da vida no momento atual. Temos de voltar ao momento atual para vivê-lo profunda e convenientemente. Temos de viver de tal forma que o reino de Deus esteja presente aqui e agora. Esta é uma oração que deve ser praticada vinte e quatro horas por dia, porque queremos viver o momento atual profundamente todos os segundos. As palavras da oração não devem ser ditas apenas antes de irmos dormir, devem ser recitadas ao longo de todo o dia.

Já temos condições suficientes para ser felizes hoje. Temos de rezar de tal forma que possamos estar em contato com as condições de felicidade que estão em nós e ao redor de nós. Elas estão todas ali, ao alcance. Não devemos ser gananciosos. Não devemos exigir que a vida continue por centenas e centenas de anos. Como pode a vida continuar por centenas de anos se neste momento atual não somos capazes de estar ativos?

(Do livro “A energia da oração” – Thich Nhat Hanh)

ORAR É ABRIR O CORAÇÃO

O ato de orar origina-se no desejo básico do ser humano de levar vidas felizes e plenas e de morrer de maneira tranqüila. A oração busca abrir os corações e mentes para algo, mas, o quê é esse “algo”? Varia de acordo com as diferentes crenças a respeito de a quem ou quê a pessoa ora. 
Não importa a que credo religioso uma pessoa possa aderir, a oração tem demonstrado produzir um estado de calma e serenidade, um senso de pertencer, e sentimentos de amor que podem ser benéficos à saúde física e mental da pessoa e ao seu bem-estar espiritual.Há paralelos entre elementos do Budismo Nitiren e a oração cristã. Entre aquelas coisas que com maior freqüência preocupam as pessoas, e pelas quais oram, estão os assuntos relacionados com saúde e doença.Os cristãos vêm a oração como aquilo que é capaz de trazer para uma situação determinada o poder de um Deus universal. Os budistas acessam o poder da Lei Mística Universal. Os cristãos oram para obter força para combater o mal; os budistas oram por paz e serenidade durante tempos difíceis e para conseguir a solução aos problemas da vida. Da mesma maneira, poderíamos ter em mente pensamentos, desejos e preocupações na medida em que oramos.Há, porém, diferenças fundamentais entre as orações dos cristãos e as orações no Budismo Nitiren. Tomemos o exemplo antes citado sobre doença. Daishonin explica à monja leiga Toki – a receptora da carta “A transformação do carma determinado” – que ela pode mudar seu destino praticando o budismo, e explica que o curso de sua vida não é dirigido por uma divindade ou força externa, mas unicamente pela própria Toki. Sua capacidade para sobrepor-se à doença depende de sua luta e de sua fé.No outro caso, o Rei Ezequias não tinha a opção de escolher se seria curado ou não. Ele tinha que suplicar-lhe e lembrar-lhe a Deus que tinha se mantido na senda correta da vida. Foi só quando Deus viu suas lágrimas que o rei foi sanado.A oração cristã é direcionada para fora, no sentido de que os cristãos oram a Deus, seja para louvá-lo, agradecer-lhe ou suplicar sua graça. Louvar a Deus significa alegrar-se na perfeição divina e, portanto, glorificar a Deus.A oração cristã tem o objetivo de reconhecer o poder e a bondade de Deus. Deus é quem dá tudo aquilo que é bom, os fiéis devem demonstrar seu espírito de súplica, a fim de tornar-se merecedores das dádivas de Deus. A oração é um ato que implica suprema reverência a Deus, o que faz que os fiéis recorram a Deus para todas as coisas porque desejam que sua oração seja respondida como uma dádiva. As pessoas devem humilhar-se perante Deus com o sincero reconhecimento de suas fraquezas humanas e falta de méritos.Jesus relata a parábola de dois homens que vão orar ao templo; um é um fariseu e o outro é um arrecadador de impostos. O fariseu dá graças a Deus por ele ser um homem justo, não é um extorsionário, ou um adúltero, e particularmente, agradece pelo fato de não ser um arrecadador de impostos. Ele procede a enumerar suas virtudes. O arrecadador de impostos, por outro lado, admite ser um pecador e implora a misericórdia de Deus. Jesus diz, então:“Porque quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado”  (Lucas 18:9-14, NRSV).
Quando os budistas Nitiren oram, é para buscar assistência dentro de seus próprios recursos espirituais – sua budicidade inerente, a qual é parte e idêntica com a natureza de Buda que existe no cosmos e em todas as coisas. O budismo vê às pessoas como detentoras do poder para transformar suas vidas; não existe uma força ou deidade que concede desejos baseada no “bom” ou “mal” comportamento. A oração budista é otimista e efetiva, não importa que “falhas ou faltas” possua uma pessoa no momento de orar. Numa de suas muitas cartas, Nitiren Daishonin cita uma passagem de Palavras e frases do Sutra de Lótus“Por ser a Lei suprema, a Pessoa é digna de respeito. Como a Pessoa é digna de respeito, a terra é sagrada”. (Escrituras de Nitiren Daishonin, vol. III, pág. 290). 
Os budistas Nitiren são incentivados a olhar dentro de si à procura das soluções aos problemas da vida. Daishonin afirma, igualmente, “Contudo, mesmo que recite e conserve o Nam-myoho-rengue-kyo, se pensa que o estado de Buda existe fora do seu coração, isto já não é mais Lei Mística; é um ensino contrário a ela”. (Sobre atingir o estado de Buda”, Escrituras de Nitiren Daishonin, vol. I, pág. 107). Os Budistas Nitiren dependem do poder de suas próprias vidas. A Lei Mística existe também em todas as coisas, a oração acessa não só o poder do indivíduo, como também o poder do universo inteiro.
Seja qual for a maneira que as pessoas escolham orar, o assunto importante é que suas orações tragam às suas vidas tranqüilidade e paz. A oração, seja dirigida a Deus ou ao Gohonzon, traz consigo oportunidades para compartilhar aquilo que reside no coração das pessoas. No Budismo Nitiren o que importa primordialmente é desenvolver um estado de felicidade que não possa ser destruído pelas cambiantes circunstâncias de nosso meio ambiente. O presidente da Soka Gakkai Internacional (SGI), Ikeda, cita Nitiren Daishonin: “Não há maior felicidade para os seres humanos que orar o Nam-myoho-rengue-kyo”  (A felicidade neste mundo”, Escrituras de Nitiren Daishonin, vol. III, pág. 199) e explica, “Enquanto o senhor mantiver uma fé firme, e recite o Daimoku de forma determinada ao Gohonzon, não importa o que aconteça, certamente o senhor será capaz de levar uma vida repleta de plenitude”. (My dear friends in America, p. 92).

A oração budista é direcionada para o interior. Recitar Nam-myoho-rengue-kyo não equivale a pedir soluções através da intervenção de forças externas. Em vez disso, é um meio para fazer acúmulo dos recursos próprios de nosso interior, a fim de enfrentar a vida. É um ato mediante o qual louvamos nosso estado de Buda, ou estado de iluminação, e fazemos surgí-lo de dentro de nossas vidas. Em vez de implorar ou desejar, as pessoas oram com forte determinação de forma que elas mesmas possam solucionar seus problemas, fazer seus sonhos realidade e concretizar sua missão como Bodhisattvas da Terra.


Um comentário:

  1. Excelentes Detalhes para ajudar nos trabalhos de Evangelização. A maioria de nós como cristãos, oramos de forma automática, sem dar o devido valor aos detalhes.

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